- Droga! – exclamou Tallin enquanto cortava a garganta de um demônio com seus dois longos punhais prateados de lâmina curvada – É o que? A quarta vez que somos atacados do nada em menos de duas horas?
- Quinta, eu acho – gritou Oyama esmagando o crânio de outro demônio – nós não conseguimos dar vinte passos sem que apareça alguém voando da neblina ou sem que saia um bicho do chão tentando nos puxar para baixo.
- E daí? – disse Bulma com um sorriso sanguinário no rosto enquanto arrancava as asas de um demônio com as mãos – Eu não agüentava mais ficar parada.
- Neste ritmo – gritou Hargor enquanto batia furiosamente seu martelo sagrado no chão, criando uma onda de luz que transformou em pó todos os esqueletos que os cercavam – não vamos conseguir chegar à Torre do Desespero.
- Se tivéssemos um mago de verdade, ele poderia nos levar até lá – provocou Oyama enquanto derrubava outro demônio.
- Guarde sua idiotice para si mesmo, maldito! Se eu tentar nos teletransportar aqui, podemos aparecer debaixo da terra ou até em outro plano – disse Aramil logo após conjurar um poderoso relâmpago que destruiu três demônios que estavam atordoados pela magia sônica que Astreya havia conjurado.
- Hargor tem razão – disse Astreya se esquivando do ataque de um demônio que foi logo depois decapitado pelo machado de Bulma – precisamos avançar mais rápido.
Alguns minutos depois, o combate se encerrou. Como das outras quatro vezes anteriores, os heróis formaram um círculo onde Tallin, Oyama e Bulma montavam guarda, enquanto Hargor curava os ferimentos de todos e Astreya e Aramil usavam magias de adivinhação para tentar encontrar um rota menos cheia de demônios. Da primeira vez, eles tentaram enviar Tallin e Oyama como batedores, mas os dois foram cercados e quase mortos antes que o restante do grupo pudesse chegar para auxiliá-los. As magias de Aramil e Astreya, apesar de se mostrarem pouco eficientes, ao menos não colocavam ninguém em risco direto.
- O que é isso? – perguntou Aramil levantando a cabeça, como se tentasse enxergar um rastro invisível – Uma magia muito poderosa esta sendo conjurada perto daqui.
- Estou sentindo – respondeu Astreya – o que pode ser?
Antes que Aramil pudesse formular uma teoria, um jato de fogo rompeu do chão a cerca de cem metros deles. O jato parecia se elevar até o céu sombrio daquela região amaldiçoada, e quando ele se apagou, Tallin, que aparentemente tinha a visão mais aguçada entre todos ali gritou.
- Por Corellon... – disse a ladina se esforçando para conter o desespero avassalador que a tomou por um instante – Aramil, nos teletransporte daqui!
- O que você está vendo, mulher? – perguntou Aramil irritado por nem mesmo seus aguçados olhos élficos serem capazes de romper a névoa e enxergar o que havia assustado tanto Tallin.
- Agora! – gritou Tallin.
Após o grito da ladina, todos gradativamente começaram ver o que surgira daquela explosão de fogo. Como se fosse controlada por uma consciência sádica, a névoa lentamente se dissipou, mostrando com clareza uma imagem que gelou por um instante o coração de todos ali. Sem exceção.
No local onde o jato de fogo havia rompido, havia centenas de guerreiros orcs, trajando pesadas camisas de cota de malha enferrujadas e portando grandes machados de lâmina vermelha. À frente deles, estava aquele que claramente era o líder. Um orc de aparentemente mais de dois metros de altura, com a constituição poderosa como a de um anão, que trajava uma camisa de cota de malha negra e carregava com uma só mão um enorme machado cuja lâmina parecia banhada em sangue fresco, que pingava lentamente no chão. Para a surpresa de todos os heróis, este orc cravou seu machado no chão e começou a andar desarmado na direção deles, enquanto seu exército permanecia imóvel.
O orc caminhava de forma lenta e extremamente arrogante, como se pudesse facilmente matar todos ali com as mãos nuas. Conforme ele foi se aproximando, os heróis começaram a reparar alguns detalhes em sua aparência nefasta. Este orc não tinha o olho direito, e seu olho esquerdo era tão vermelho quanto o sangue que cobria seu machado. Sua face era marcada por uma enorme cicatriz que varava todo o lado direito de seu rosto. Seus cabelos eram negros e desgrenhados, sua pele era cinzenta e repleta de cicatrizes e queimaduras. Astreya estacou e empalideceu ao ver o sangue e a cor do único olho da enorme criatura. Ela lembrou-se imediatamente da revelação que lhe havia sido feita pela meio-elfa que havia aparecido para ela quando perdera a consciência na floresta de Elvanna. Vermelho, a cor que lhe traria sofrimento.
- Atacamos? – perguntou Oyama para os demais enquanto o líder orc ainda estava há pouco mais de cinqüenta metros.
- Sim – rosnou Bulma.
- Não! – disse Aramil – se atacarmos ele, seu exército vai avançar sobre nós no mesmo instante. Sinto magia ali. Há conjuradores escondidos em meio aos soldados.
- Então, você também acha que eles não são uma ilusão – disse Hargor.
- Não, não são – respondeu Aramil
- Não sei o que este idiota quer conosco – disse Tallin com as mãos próximas aos cabos de suas armas – mas não estou disposta a esperar para descobrir. Aramil, sei dos riscos do teletransporte, mas não pode ser pior do que enfrentar sozinhos um exército de orcs em um campo aberto.
- Sim, pode, tola – respondeu o mago de forma sombria – acredite.
- Espere... – disse Hargor olhando para seu símbolo sagrado, como se estivesse ouvindo algo – ele nos trás uma mensagem.
Pouco depois que Hargor terminou de falar, o orc chegou, parando há dez metros de distância do grupo.
- Saudações, porcos e gazelas de Elgalor – disse o orc com um sorriso sombrio no rosto – eu sou Skarr, o Escolhido de Gruumsh.
- E o que quer conosco? – perguntou Astreya.
- Que levem uma mensagem aos seus reis covardes – respondeu Skarr em um tom rude a ameaçador – dentro de três dias, Gruumsh, o Senhor dos Orcs propõe um desafio.
- “Desafio” – repetiu Hargor demonstrando claramente o ódio que sentia.
- Sim – continuou Skarr olhando friamente para o anão – Eu duelarei com o rei de cada uma de suas raças imundas. Anões e elfos. Vocês escolhem o local, e nós escolhemos os termos.
- Que seriam... – perguntou Aramil como se não estivesse levando aquilo a sério.
- Combate homem contra homem sem a interferência de nenhuma força externa dentro de uma arena – respondeu Skarr – isso se houver homens entre suas raças medíocres.
- E por que os reis devem aceitar seu desafio, poderoso Skarr? – questionou Tallin com sarcasmo na voz.
- Porque se não o fizerem – respondeu Skarr com um sorriso malicioso – A contagem de corpos do lado de vocês vai aumentar MUITO.
- Explique melhor, Skarr – disse Oyama – até onde eu sei, até um elfo mirrado como Aramil consegue colocar a sua raça suja para correr.
- Cuidado com a boca, verme – ameaço Skarr - ou levo você ainda vivo para Aqueronte comigo. Meu exército e eu não podemos ficar neste plano por muito tempo sem agredir o acordo de “não interferência” que seus deuses patéticos criaram...
- Mas se recusarmos um desafio formal feito por um representante de um deus – completou Hargor a contragosto – isso lhes dá o direito de infligir as regras momentaneamente, o que possibilitaria que você e sua corja possam vagar por este mundo.
- Exato – respondeu Skarr – o desafio é feito para seus Grandes Reis, mas se um deles não tiver coragem o bastante para aceitar, podem mandar um representante no lugar. O resultado será o mesmo.
Skarr estendeu suas duas mãos à frente, e duas grotescas cornetas vermelhas feitas de ossos surgiram.
- Entreguem isto a seus reis – ordenou o orc – quando eles estiverem prontos para morrer nas minhas mãos, basta soprar. Lembrem-se que eles podem escolher qualquer lugar em Elgalor para os combates, mas que nenhuma interferência externa será permitida dentro da arena que meu mestre criará.
Hargor estendeu a mão e pegou uma das cornetas. Aramil fez o mesmo, mas Astreya se adiantou e pegou a corneta restante. O mago elfo olhou para a barda com recriminação, mas Astreya o ignorou e guardou a corneta em sua bolsa arcana.
- Você já disse isso antes, orc estúpido – disse Aramil de forma arrogante agora que compreendera a situação – não há necessidade de repetir.
– Um dia depois da morte de seus reis, - disse Skarr abrindo um sorriso macabro - vocês todos estarão na minha câmara de tortura.
- Isso se eu não matar você primeiro – rosnou Bulma com o machado em mãos.
- Se tentar fazer isso, meus soldados e eu ganharemos mais alguns minutos aqui – disse Skarr – Quer arriscar?
- Já deu seu recado, cão – disse Aramil de forma extremamente arrogante – agora suma, pois temos mais o que fazer.
Skarr olhou furiosamente para o elfo, mas sabia que não poderia sequer encostar em um deles naquele momento sem atrair a ira de Corellon, Moradin e talvez até outros deuses. Irritado, Skarr virou as costas e começou a andar em direção a seus homens.
- Três dias, vermes – disse ele ainda de costas – três dias.
- Como vocês saberão o local do combate? – perguntou Tallin.
- Estaremos observando vocês – respondeu Skarr sem se virar – E Aramil...
- O que foi? – perguntou o Elfo.
- Há sete anos, quando vocês começaram a lutar juntos, você tinha um cavalo – disse Skarr enquanto caminhava.
- Sim – respondeu Aramil com um sorriso – o nome dele era Gruumsh. Um lembrete para que ficasse sempre claro quem monta e quem é montado.
- Você vai pagar por isso! – respondeu Skarr emitindo um rosnado – muito caro.
Neste momento, mais um jato de fogo surgiu do chão, e Skarr e seu exército desapareceram da mesma forma abrupta como surgiram.
- E agora? – perguntou Astreya, visivelmente perturbada – precisamos avisar os reis... Três dias é muito pouco tempo para algo tão grande assim!
- É proposital – disse Hargor – mas não se preocupem, com isso agora. Vamos nos concentrar em chegar vivos à Torre do Desespero. Temos ainda um longo caminho pela frente...